terça-feira, 9 de novembro de 2010

AMOR LÍQUIDO

"Meu ser amado poderia ser um quadro no qual minha perfeição fosse retratada em toda a sua magnificência e esplendor – mas será que as nódoas e manchas também não apareceriam? Para limpá-las – ou escondê-las, caso sejam pegajosas demais para serem apagadas – , é necessário lavar e preparar a tela antes de iniciar o trabalho de pintura. E depois observar cuidadosamente para garantir que o traço das antigas imperfeições não venham a surgir de seu esconderijo debaixo de sucessivas camadas de tinta. Cada momento de sossego é prematuro – restaurar e pintar de novo, sem folgas...
Esse esforço incessante é também um trabalho de amor. O amor explode de energia criativa, que inúmeras vezes é liberada numa explosão ou fluxo cotínuo de destruição.
Nesse processo, o ser amado transformou-se numa tela – em branco, de preferência. Suas cores naturais empalideceram, de modo a não se chocar com a figura do pintor, nem desfigurá-la. O pintor não precisa indagar da tela como esta se sente, lá embaixo, sob toda aquela tinta. As telas de lona ou de linho não apresentam relatórios voluntariamente – embora as telas humanas por vezes o façam."

AMOR LÍQUIDO, Zygmunt Bauman

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